
Equipe Como Fazer
Oi pessoal, tudo bom?
Tendo em mente a semana especial D2, o painel Como Fazer quer propor um exercício para ajudar os iniciantes a se familiarizar com a pesquisa científica. Então a nossa proposta é que vocês façam um “pequeno artigo”.
Calma, calma!! Não se assuste! Esse artigo vai ser só para demonstrar o funcionamento de um artigo científico e te ajudar a se familiarizar com os processos. Por isso, vamos sugerir o tema, a metodologia e indicar uma bibliografia básica somente para exemplificar. Como este pode ser seu primeiro contato com um trabalho acadêmico, fizemos um pequeno glossário no final do post explicando alguns dos termos utilizados, ok?
Então vamos lá.
Douglas Leal e ThyHeartfilia Revisão: Naomi
Antes de começar, vamos colocar os fones de ouvido, abrir o seu app de música favorito e ouvir a canção Moonlight do álbum D2, lançado pelo rapper Agust D. Com a tradução da letra em mãos, acompanhe a música…
저 달 (Moonlight) – AGUST D
Sim, Sim Ok, ok, ok, ok Sim 3 anos se passaram Agust D Honestamente, não sei quantas músicas colocar Só, foda-se, você só tem que fazer isso Meu começo foi humilde, de Daegu, yeah, um porão em Namsan-dong Agora, para uma cobertura em Hannam the Hill Ainda Peter Pan, incapaz de acordar de um sonho A realidade na minha mente luta com o ideal cansativamente Meu maior inimigo é a raiva dentro de mim Ela luta até contra a pior preguiça dentro de mim Às vezes tenho ressentimentos de Deus: Por que ele me fez viver esse tipo de vida? O que eu estou fazendo? Eu realmente amo música? Às vezes eu me pergunto: Se você pudesse voltar atrás Você voltaria? Bem, eu teria que pensar melhor sobre isso Pode parecer que as coisas que eu consegui foram fáceis de se obter Vão se foder, elas foram recompensas pelo meu sofrimento Eu ainda estou sedento - é isso o que eles chamam de Carma? O vazio que eu sinto por voar tão alto Embora já tenha mais de 10 anos que eu comecei em Namsan-dong A confusão na minha mente é a mesma de antes - Foda-se isso A luz da Lua que me ilumina antes do alvorecer É a mesma de antes Muitas coisas mudaram na minha vida, mas A luz da Lua ainda é a mesma A luz da Lua que me ilumina antes do alvorecer É a mesma de antes Mudanças são inevitáveis para todos Mas como nós mudamos pode ser nossa ocupação Às vezes parece que eu sou um gênio E às vezes parece que eu não tenho habilidade nenhuma Às vezes as músicas chegam a mim muito rápido, mas Quando eu estou com um bloqueio, estou bloqueado totalmente; exatamente, até agora Embora eu tenha escrito o verso 1 super rápido O verso 2 não vem a mim mesmo que eu quebre a minha cabeça A vida deve ser a mesma; tudo ou nada Afinal, não tem paralelo; é uma questão de escolha Acho que eternidade não existe em nada Imortalidade parece muito penosa E eu só comecei porque eu gostava de música - e só Os adjetivos que eles colocam junto ao meu nome são demais, às vezes O que você pode fazer, você só tem que correr, eu acho O que você pode fazer, você só tem que segurar as coisas que você vem agarrando, eu acho O que você pode fazer, você só tem retribuir o que você está recebendo, eu acho Se você sente que vai bater, acelere mais, seu idiota A luz da Lua que me ilumina antes do alvorecer É a mesma de antes Muitas coisas mudaram na minha vida, mas A luz da Lua ainda é a mesma A luz da Lua que me ilumina antes do alvorecer É a mesma de antes Mudanças são inevitáveis para todos Mas como nós mudamos pode ser nossa ocupação
Nos trechos sinalizados em vermelho, podemos perceber que o rapper fala e descreve o seu processo de composição, prática chamada de metalinguagem.
Quando lemos um livro sobre a nossa Língua Portuguesa, que explica sobre a estrutura das frases, ou um texto no qual analisamos o gênero discursivo utilizado para construí-lo (crônica, carta, fábula, notícia, dissertação…), exercemos a prática da metalinguagem. Até mesmo quando lemos um poema, precisamos usar o nosso conhecimento para interpretá-lo e, nesse processo, sem perceber, fazemos vários tipos de “metas”, nos ajudando a refletir sobre a própria forma de falar, escrever ou se expressar. De origem grega, “meta” é um prefixo com muitos significados, a depender do contexto, mas quando agregada a “linguagem” significa a forma de expressar uma linguagem utilizando-se dela mesma, isto é, uma linguagem que se debruça sobre si mesma. Isso quer dizer que metalinguagem, por exemplo, é falar da Língua Portuguesa usando esse mesmo idioma, em outras palavras, falar do português usando o português; ou falar do idioma inglês usando o próprio inglês.
Fonte: QConcursos, 2012.
Existem vários tipos de metalinguagem, não somente quando estudamos a gramática do português ou explicamos a construção da língua com ela mesma: em algumas áreas do conhecimento, podemos usar o “meta” antes para indicar que explicamos aquela área com características dela mesma. A metapoesia, por exemplo, é um poema no qual, ao longo de suas estrofes, explica e expressa as etapas pelas quais passa o autor ao escrever um poema: é, literalmente, um poema que fala sobre o ato de escrever poemas. Pode parecer estranho, mas você já parou para pensar que podemos falar de uma coisa usando dela mesma? Ou explicar uma imagem usando imagens? Sim, o ato de refletir sobre um aspecto pode se dar usando desse mesmo aspecto.
Fonte: Paws, 1978.
Outra forma muito interessante é a metaficção: são narrativas do gênero de ficção científica que contam uma história sobre a própria maneira de se fazer ficção, é uma ficção que fala sobre coisas ficcionais. Quando nós assistimos um filme no qual os personagens encenam uma cena de filme, é, basicamente, um filme dentro do filme. Ou quando uma novela tem algum personagem que é ator e temos então um ator que faz papel de ator dentro da novela. Pode ser muito confuso de entender, mas essas situações acontecem bastante. Uma forma mais visual seria uma pintura que mostra alguém pintando, a pintura pelo ato de pintar, ou uma música que expressa todo o misto de sentimentos, conflitos e alegrias do músico durante suas produções, como o belo exemplo de ‘Moonlight’ agraciado a nós por Agust D.
Fonte: Ludo Educa, 2019.
Portanto, a metalinguagem está muito presente em nossas vidas, desde as diferentes formas artísticas que prestigiamos até a maneira com que utilizamos um idioma nos momentos de conversa, estudos e pesquisas. Tudo está atrelado a uma linguagem e, como seres comunicativos, essa ferramenta e estilo de vida une nossas intenções, transforma-os em mensagens, conhecimentos e sentimentos. Até mesmo este texto que você está lendo é sobre o próprio ato de produzir linguagem e estamos felizes de termos construído nossa própria metalinguagem.
Fonte: Saturday Evening Post Society, 2020.
Vendo o quão rico é esta letra (assim como várias outras), podemos perceber que há espaço para análises e estudos em diversas abordagens e muitas vezes essa inspiração pode realmente se transformar em uma ideia para um projeto de pesquisa complexo e cheio de camadas, mas você não precisa começar de uma maneira tão grandiosa, podemos começar com um simples artigo, mais objetivo e pontual, como este que vamos sugerir a seguir.
Agust D: Análise de discurso e o uso da metalinguagem na música ‘Moonlight’
Como o título indica, o artigo se propõe a analisar o discurso da música ‘Moonlight’, da mixtape D2 de August D, e a sua relação com a metalinguagem. E para responder a esse questionamento, devemos determinar a metodologia e os objetivos que irão nortear a pesquisa. Neste caso, podemos primeiro identificar quais são os objetivos específicos, tendo em vista que o objetivo geral é descrever e analisar os valores discursivos existentes na música e como eles se relacionam com a metalinguagem. Para isso, temos os seguintes objetivos específicos:
- Conceituar as funções de linguagem e a análise de discurso.
- Descrever o contexto e a realidade do autor da música.
- Analisar os valores discursivos da música ‘Moonlight’.
Com os objetivos estabelecidos, podemos definir a metodologia que vai nortear todo o nosso processo. Neste caso, faremos uma pesquisa qualitativa, com base bibliográfica apoiada na letra da música ‘Moonlight’ e em obras básicas que descrevem a análise do discurso e as funções da linguagem, além de nos utilizarmos de documentos que descrevem o contexto do criador da música.
Então, agora que temos a base do nosso projeto de pesquisa, vamos estruturar o conteúdo. Em um artigo, normalmente temos 5 sessões:
- Introdução
A introdução serve para apresentar um resumo geral do artigo. Aqui você deve descrever sucintamente o objetivo e o contexto abordado na sua pesquisa.
- Metodologia
Na metodologia deve-se descrever resumidamente o método utilizado para executar a pesquisa, trazendo os principais autores que embasam a sua pesquisa.
- Resultados da Pesquisa
Neste momento, você deve fazer um resumo geral da sua pesquisa que, neste caso, foi baseada completamente em um levantamento bibliográfico e documental, Ou seja, você deve trazer os conceitos principais que nortearam o entendimento necessário para fazer a sua análise dos resultados.
- Análise e discussão dos resultados
A análise e discussão dos resultados é o momento em que o autor do artigo compara os conceitos básicos da pesquisa com os resultados da sua análise e abre uma discussão mobilizando os autores e seus conceitos, sempre de forma sucinta e pontual.
- Conclusão
O momento final do artigo (e muitas vezes o mais importante) é a conclusão. Aqui, o autor expõe se seu objetivo principal foi respondido e, em alguns casos, abre novos questionamentos para que outros autores possam dar continuidade a esse trabalho.
Agora que temos em mente a estrutura do artigo, seus objetivos e metodologia, precisamos montar uma bibliografia que nos ajude a responder as questões levantadas pelos objetivos. Então, retomando os objetivos específicos, temos:
1- Conceituar as funções de linguagem e a análise de discurso.
No primeiro objetivo estabelecemos que devemos conceituar as funções da linguagem (neste caso, dando prioridade à metalinguagem) e a análise de discurso. Por isso, precisamos de uma bibliografia que nos permita entender esses processos e nos forneça o conhecimento e ferramentas para fazer uma análise da música em questão. A bibliografia proposta aqui traz algumas obras que irão abordar aspectos da linguagem e como eles são usados para expressar o que o autor tem a dizer, tanto sistêmica quanto artisticamente, além de demonstrar aspectos sociológicos empregados na linguagem.
- VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Problemas fundamentais do Método Sociológico na ciência da Linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo – 2 ed. SãoPaulo: Hucitec, 2018.
- FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Tradução de Laura de Almeida Sampaio. 17. ed. São Paulo: Loyola, 2008.
- KOCH, Ingedore G.Villaça. Argumentação e linguagem/Ingedore G. Villaça Koch. 3. ed. São Paulo: Cortez; 1993
- BARDIN, L. (2006). Análise de conteúdo (L. de A. Rego & A. Pinheiro, Trads.). Lisboa: Edições 70. (Obra original publicada em 1977)
- CHALHUB, Samira. A Metalinguagem. São Paulo: Ática, 2002.
2- Descrever o contexto e a realidade do autor da música.
Quando analisamos um discurso no geral, nunca devemos ignorar o contexto em que ela foi concebida, pois seu contexto de criação diz muito sobre o seu conteúdo. E, por isso, devemos descrever o contexto e a realidade em que o autor se encontrava durante a composição. Neste caso, devemos encontrar essas informações em entrevistas, materiais de divulgação, reportagens com fontes confiáveis e na própria obra em questão. Essa documentação vai dar ainda mais informações pertinentes para a análise e fundamentar suas conclusões sobre alguns aspectos da sua análise. A seguir, temos alguns exemplos de algumas dessas fontes:
Agust D ‘D-2’ Mixtape Interview
[EPISODE] Agust D ‘대취타’ MV Shooting Sketch

Ler o que outras pessoas estão entendendo do conteúdo produzido pelo artista também ajuda, muitas vezes outras pessoas enxergaram putas coisas que você nem imaginaria.

3- Analisar os valores discursivos da música ‘Moonlight’.
O último objetivo, que pede que analisemos os valores discursivos da música ‘Moonlight’, é o mais importante, pois neste momento temos que destrinchar a música: tudo o que puder ser percebido em relação às informações que você estudou até agora são importantes, como por exemplo o trecho a seguir:
3 anos se passaram Agust D Honestamente, não sei quantas músicas colocar Foda-se, eu só tenho que fazer isso
No início da música, podemos observar, com o que já sabemos sobre metalinguagem, que neste trecho o autor da música usa de metalinguagem quando fala que não sabe quantas músicas colocar. Sabendo do contexto geral de que essa música faz parte de uma mixtape autoral, podemos supor que o autor está descrevendo as dificuldades que teve no momento de escolher quantas músicas deveria colocar na mixtape. Isso nos indica tanto a maneira com que o autor da música tenta fazer uma reflexão sobre o seu processo criativo quanto expressar suas angústias em relação a esse processo, se utilizando da metalinguagem para isso. Somente nesse trecho inicial, já conseguimos identificar o que pode ser a principal função da metalinguagem empregada na música e entender um pouco sobre como foi para o autor produzir a mixtape na qual a música foi lançada.
Como a proposta aqui é incentivar vocês a estudarem e fazerem essa pequena pesquisa, deixo o resto da música para vocês analisarem. A equipe do BAA vai amar ler os resultados das suas pesquisas. E lembrem-se: a abordagem apresentada aqui é somente para exemplificar como funciona o processo, ou seja, existem inúmeras outras abordagens para este tema, só depende da sua criatividade e de um bom planejamento que tudo vai dar certo no final.
REFERÊNCIAS:
- CHALHUB, Samira. A Metalinguagem. São Paulo: Ática, 2002.
- DAVIS, Jim. 1ª tirinha de Garfield. 19 de junho de 1978, Paws Inc.
- JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1993.
- LUDO. Ludo Educa: Metalinguagem – o que é?. 17 de fevereiro, 2019. Disponível em: Metalinguagem – O que é? – Ludo Educa. Acesso em: 4 de agosto de 2020.
- QCONCURSOS.COM. Questões de Concurso: Q501596. Disponível em : Q501596 – Questões de Concursos. Acesso em: 4 de agosto de 2020.
- ROCKWELL, Norman. Triple Self-Portrait. 1960. Óleo em canvas, 1,1m x 0,86cm. Ilustração da capa do The Saturday Evening Post, 13 de fevereiro de 1960, da coleção permanente do Museu de Norman Rockwell.
- WALTY, Ivete. Metalinguagem. E-Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia. 20 de junho, 2010. Disponível em: https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/metalinguagem/#:~:text=A%20palavra%20metalinguagem%2C%20formada%20com,se%20debru%C3%A7a%20sobre%20si%20mesma. Acesso em: 4 de agosto de 2020.